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23/02/2015

Psicose e Constelações Familiares

 
 (O grito - Edward Munch)

Constelações Familiares em Casos de Psicose 

Texto de Gunthard Weber e Diana Drexler




1. Sobre a teoria e a técnica do trabalho sistêmico com constelações

O trabalho com constelações familiares é um procedimento psicoterapêutico relativamente recente e controvertido. Ainda menos numerosas são até agora as experiências realizadas por meio dessa abordagem com pessoas que exibem comportamento psicótico. Tais experiências, contudo, são animadoras a ponto de justificar nosso relato a seu respeito. Dispensamos-nos aqui de apresentar os princípios que fundamentam esse trabalho, ("ordens do amor", consciência pessoal e consciência do grupo familiar, etc). Apresentamos apenas uma breve introdução, dedicando maior atenção aos aspectos que nesse trabalho com pacientes com diagnósticos de psicose nos aparecem como especialmente importantes.

1.1 O desenvolvimento do trabalho com constelações familiares

A técnica das constelações familiares foi desenvolvida em seus elementos básicos por Bert Hellinger, sobretudo nos anos 80. Desenvolveu-se e expandiu-se rapidamente no espaço cultural de língua alemã e, nos últimos anos, também em escala internacional. Tem suas raízes na abordagem da terapia familiar através de várias gerações. Abordagens da terapia familiar orientadas para o crescimento já utilizavam há mais tempo representações espaciais para entender constelações de relacionamentos e para estimular modificações. Depois que Bert Hellinger entrou em contato com representantes da terapia familiar, nos Estados Unidos, e com o trabalho de escultura familiar, na Alemanha, ele começou a condensar insights sobre a dinâmica familiar, - sobretudo os que tinham caráter estrutural e envolviam várias gerações - com procedimentos da análise transacional, numa terapia breve de grupo, sob a condução de um diretor. Essa terapia ele denominou "Familien-Stellen" (método de "colocar" ou de "constelar" famílias). Esse trabalho era complementado, nas assim chamadas "rodadas", por intervenções hipnoterapêuticas ou outras, de que se valia Hellinger, através do humor, da confrontação ou da narração de histórias para quebrar padrões rotineiros de pensamento e estimular novas alternativas de ação. Infelizmente, essa técnica de rodadas, onde os participantes relatavam, cada um por seu turno, seus sentimentos e suas questões, teve de ser abandonada quando Bert Hellinger passou a trabalhar com grupos muito numerosos.

1.2 Compreensão do sistema e dos sintomas

Numa constelação são levados em conta todos os membros de um sistema familiar no âmbito de três gerações, de maneira a incluir os vivos e os mortos. Todos os membros da família tomam parte numa ordem básica à qual estão permanentemente vinculados. Essa ordem básica inclui, por exemplo, o direito de todos a pertencer ao sistema e a precedência dos que vêm antes sobre os que vêm depois. As famílias onde os sintomas aparecem estão frequentemente em "desordem" no que toca a essas leis.

Os sintomas que estejam condicionados por implicações sistêmicas sistêmicas manifestam a existência de um profundo amor resultante do vínculo, uma ligação inconsciente do indivíduo com seu grupo de origem. Isto faz com que alguns repitam os destinos de outros e queiram, em lugar deles, assumir algo de pesado, expiar ou até mesmo morrer. Tal necessidade de compensar se radica num pensamento mágico de caráter infantil, já que tal atitude não tem o poder de redimir essas pessoas nem de aliviar ou de anular seus destinos. Outra base para o desenvolvimento de problemas é a perda de conexão com as fontes dos laços familiares. Isto acontece, por exemplo, quando membros da família não são respeitados ou são esquecidos. Além da implicação sistêmica, devem ser ainda considerados, na geração de dificuldades psíquicas, os aspectos associados à evolução pessoal, por exemplo, a interrupção do movimento precoce da criança, dirigido geralmente para a mãe. No presente trabalho focalizamos preferencialmente as dinâmicas sistêmicas, dando menos espaço ao significado da história individual da vida e do processo da aprendizagem.

1.3 O processo da constelação

Em nossos seminários, que duram de dois dias e meio a quatro dias, trabalhamos com grupos de 12 a 14 participantes e com um máximo de 10 observadores participantes. Na constelação familiar cada participante do grupo monta espacialmente sua imagem interna de um dos seus sistemas (o de sua família de origem ou da atual, ou ainda de suas relações de trabalho), com a ajuda de representantes, escolhidos entre os integrantes do grupo. Esses representantes geralmente possuem pouquíssimas informações prévias sobre as circunstâncias da vida e da história das pessoas representadas. O terapeuta interroga os representantes sobre suas sensações e sentimentos nos lugares que ocupam. As percepções dos representantes fornecem indicações importantes sobre as dinâmicas familiares e as conexões sistêmicas, pois é incrível como refletem exatamente, muitas vezes, as pessoas representadas, que não são conhecidas pelos representantes. O dirigente do grupo tenta a seguir mudanças de posição para os interessados, buscando, na medida do possível, o "melhor" lugar para cada um do sistema. Quando se consegue isto, o terapeuta geralmente introduz o próprio cliente em seu lugar (até então ocupado por seu representante). Em conexão com determinadas frases que diz às pessoas importantes de suas relações, ele muitas vezes experimenta de novo uma dor antiga e emoções que aliviam, e ganha novas perspectivas. A "imagem da solução", quando ele a consegue acolher e interiorizar, desenvolve nele frequentemente efeitos que perduram por longo tempo.

1.4 A inserção da constelação familiar no processo terapêutico

Evolução progressiva ou experiência de iluminação?

A forte expansão do trabalho com constelações tem despertado junto ao público, de um lado, expectativas fora da realidade e, de outro, críticas de simplificação sem seriedade. De acordo com nossas experiências, o trabalho da constelação familiar, justamente com pacientes que exibem comportamento psicótico, só se recomenda no contexto de uma relação terapêutica e com uma acurada preparação. Os pacientes se inscrevem para os seminários de forma autônoma e sob a própria responsabilidade, mas geralmente são advertidos dessa possibilidade por seus terapeutas, que frequentemente também os acompanham nos seminários. Não devem apresentar sintomas psicóticos agudos. Muitos pacientes comparecem inicialmente a seminários, uma vez ou várias, como observadores participantes, não fazendo inicialmente suas próprias constelações mas presenciando as de outros ou delas participando como representantes. Os terapeutas que lhes recomendam o trabalho ou os acompanham nele deveriam conhecer o trabalho com as constelações e suas premissas, e o terapeuta que conduz a constelação deveria ter experiência com pacientes desses grupos de diagnóstico. Em seguimento a uma constelação familiar podem eventualmente surgir no paciente reações depreciadoras ou agressivas e até mesmo episódios psicóticos. Tais reações, que inicialmente interpretávamos como sinal de insucesso, hoje encaramos como medidas distanciadoras, que visam restabelecer a autonomia do paciente para poder lidar com o intenso desejo de estar próximo e de ser olhado, que se reavivou nesses seminários e foi satisfeito apenas por um curto período de tempo. Ultimamente, justamente em seguida a tais "pioras", temos recebido com frequência excelentes retornos de terapeutas relatando desenvolvimentos positivos depois de constelações familiares.


2. Elementos terapêuticos do trabalho com constelações familiares

2.1  Esclarecimento da solicitação

Um fator importante do seminário de constelações é o esclarecimento do que se deseja do terapeuta. Quanto mais concretamente forem formuladas as questões e os objetivos, tanto melhor se poderá decidir qual corte do sistema deverá ser representado ou levado em consideração. A ampla dispensa de uma anamnese detalhada e o enfoque dirigido para soluções e recursos choca-se, às vezes com resistências, justamente por parte de pacientes com longa história de tratamento, como se estes tivessem de "defender" seu status de doentes e justificar seus problemas. Contudo, se os pacientes com diagnósticos de psicose recebem nos seminários o mesmo tratamento como todos os demais, eles logo mostram, muitas vezes, incríveis habilidades sociais e geralmente se integram em problemas ao grupo.

2.2 A representação

O que se exige dos representantes nas constelações é que se desprendam em larga medida de suas histórias pessoais, que percebam "sem intenções" e comuniquem as reações corporais, sentimentos ou sensações que emergem nos lugares que ocupam como representantes. Esta exigência de deixar "de fora" a própria história e as hipóteses de uma psicologia corriqueira (por exemplo, "Aquela pessoa está longe de mim - com ela não devo ter muito a ver"), e de se entregar sem reservas ao que se sente, oferece a cada participante um exercício de percepção que no decurso do seminário vai sendo cada vez melhor dominado. Tem-nos surpreendido, repetidas vezes, a maneira diferenciada e sensível que exibem, como representantes, pacientes que antes apresentavam um comportamento psicótico. Alguns ainda precisam de uma ajuda inicial, tanto para entrarem num papel quanto para se "despedirem" dele, mas muitos vão apreciando cada vez mais a possibilidade de vivenciar papéis e lugares totalmente diferentes nas famílias. Numa constelação é possível perceber onde esses pacientes frequentemente encontram problemas: em viver relações intensas e em seguida voltar a si mesmos (quando, depois de uma constelação, abandonam os papéis que representavam).

2.3 A vivência da imagem

Através do método de posicionar membros da família, com a ajuda de representantes, manifesta-se um aspecto vivencial que, à exceção do trabalho com esculturas familiares, raramente aparece em outras abordagens terapêuticas: a experiência subjetiva direta, realizada simultaneamente em muitos canais sensórios, envolvendo o lado fisiológico, o expressivo-motor, o emocional e então também o cognitivo. Através dessa experiência direta que envolve o corpo e os sentidos, as imagens consteladas têm muitas vezes fortes efeitos emocionais e com isto podem ser revividas e trabalhadas. O que se procura, em termos de imagem sensível, é um lugar melhor para o protagonista. As mudanças nas sensações corporais e nas emoções dos representantes e do próprio cliente servem de instrumentos para validar a solução. Na imagem da solução ganham um lugar informações e pessoas até então excluídas. Quando o processo da constelação, com a imagem da solução, é significativo para o cliente, ele ativa novas formas de ver e de proceder em constelações familiares até então experimentadas como problemáticas. Como num rito de passagem, os passos individuais (as imagens intermediárias) são condensados numa experiência que se pode apreender e compreender.

3. Experiências já resultantes do trabalho de constelações com pessoas com diagnóstico de psicose

Em contraposição às teorias e procedimentos de abordagens terapêuticas estabelecidas, exaustivamente formuladas e diferenciadas através de decênios, o trabalho com constelações, especialmente com pacientes de psicoses, só apresenta algumas experiências iniciais. Essas experiências indicam que determinados padrões de relacionamento e determinadas dinâmicas sistêmicas aparecem mais frequentemente em sistemas com pacientes de psicose do que em outros sistemas. Isto não implica em afirmar que esses padrões estejam condicionando o aparecimento de psicoses. Entretanto, podemos verificar que processo de trazê-los à luz e resolvê-los através das constelações frequentemente influencia positivamente e de forma duradoura o comportamento dos envolvidos.

Descrevemos a seguir algumas dessas características e dinâmicas de relacionamento em pacientes com diagnoses de formas esquizofrênicas, inclusive alguns exemplos de casos.

3.1  Fragilidade na diferenciação entre o "eu" e os "outros".

Nestas constelações, com mais frequência e de modo mais drástico do que em outras, os representantes expressam percepções que, num sentido mais amplo, se relacionam ao tema da "diferenciação entre si mesmo e outras pessoas no sistema". Os representantes se confundem com outros, sentem-se enredados e ligados como se fossem siameses e carecem de um espaço próprio perceptível; ou então se sentem colocados inteiramente diante do sistema ou para fora dele. Exprimem-se com marcada ambivalência, oscilam entre sentimentos de estarem fundidos, amarrados e obrigados, desejando ter autonomia e espaço livre, ou então se apresentam desorientados, desesperados ou mudos. Estas manifestações de participantes "ingênuos" do curso em posições de representantes correspondem às descrições da dinâmica psíquica nas abordagens da terapia individual. Nas constelações pode-se mostrar com frequência que esses estados psíquicos perturbadores, opacos e quase insuportavelmente contraditórios possuem o seu equivalente em acontecimentos e processos relacionais obscuros, traumáticos e cercados de segredos do sistema familiar, em que os interessados estão implicados de forma muitas vezes inconsciente. Trata-se aí de dinâmicas que atuam através de gerações. Nas constelações, o comportamento psicótico se manifesta como um esforço ativo para dominar inconciliáveis tensões e oposições, de caráter interpessoal e intrapsíquico.

3.2  Ligação profunda e identificação

Denominamos "identificada" uma pessoa que, de modo inconsciente, está implicada com aspectos de um ou de vários membros da família e tenta imitar ou superar aspectos da vida dele(s). Segundo nossa experiência, tais identificações surgem principalmente quando membros do sistema tiveram um destino especial, ou quando não são respeitados ou foram excluídos. Membros que se seguem no sistema familiar caem então em contextos de relacionamento em que muitas vezes, de forma inconsciente, repetem aspectos do destino dessa(s) pessoa(s) ou sentem a necessidade de resolver algo em seu lugar. Em famílias com formações sintomáticas esquizofrênicas, encontramos frequentemente formas especiais de identificação que descrevemos a seguir.

3.2.1  Identificação transsexual

Exemplo 1:

A mais velha de duas filhas desenvolvera um comportamento psicótico ao terminar seus estudos superiores. Apaixonara-se por um de seus professores, mas também não estava certa de que ela própria não fosse um homem, e durante semanas apresentou-se em suas aulas com trajes masculinos. Jamais conseguira trabalhar em sua profissão. Na constelação, sua representante se postou ao lado da mãe e o pai afirmou que não tinha nada a ver com aquilo. Através de perguntas apurou-se que a mãe tivera um noivo e que o casamento fora impedido pelas injunções da guerra. Durante toda a sua vida, ela rejeitara seu marido, desvalorizando-o em presença das filhas e também idealizando o noivo por sua melhor instrução. A cliente tinha cursara a mesma disciplina do antigo noivo da mãe e, como ela própria dizia, tomara o lugar dele junto da mãe.

Ela se sentiu liberada quando o noivo foi introduzido na constelação e quando ela disse, tanto a ele quanto à sua mãe, que nada tinha a ver com ele e que só queria viver a própria vida e aceitar-se plenamente como mulher. Em seguida colocou-se junto do pai e disse-lhe que ele era o responsável pela mãe.



Exemplo 2:

Um paciente, que vinha sendo diagnosticado como doente psíquico crônico e que fora criado num círculo de muitas mulheres, após um seminário assumiu-se abertamente como homossexual. A partir daí passou a mostrar sintomas bem mais raramente, completou com acompanhamento terapêutico uma exigente formação e há dois anos exerce sua profissão.

3.2.2 Identificações duplas

Particularmente pesada é a identificação simultânea com dois excluídos. Uma forma especial dela é a identificação simultânea com vítima(s) e autor(es).

Um exemplo:

Uma participante de um seminário, de cerca de 50 anos, com uma carreira psiquiátrica de muitos anos, tinha um pai de mãe solteira, que entrou na polícia especial nazista e mais tarde foi vigia num campo de concentração. Através de perguntas, apurou-se durante a constelação que o pai dele era judeu e que nada se sabia sobre seu destino. Com isto a paciente passou a compreender melhor seus sintomas, que já duravam anos, de ser simultaneamente simultaneamente perseguida e perseguidora. Essa dinâmica foi por nós encontrada diversas vezes, por exemplo, nos chamados doentes mentais transgressores. Seja frisado, neste contexto, que com muita frequência tomamos à letra conteúdos de manias, que se revelam carregados de sentido. Se alguém se sente perseguido ou envenenado, perguntamos: quem na família foi perseguido ou envenenado? Ou, se alguém sente compulsão de lavar-se, perguntamos: quem na família precisava lavar-se? Não dispomos aqui do espaço necessário para entrar mais fundo nesta matéria.

3.3 Segredos e tabus

Em constelações de pacientes de psicoses pudemos verificar repetidas vezes que provocavam perturbação nesses pacientes relacionamentos confusos e mal definidos, como paternidade obscura, adoções mantidas em segredo, ocultação de um irmão gêmeo que morreu no parto ou durante a gravidez, causas de morte obscuras ou ocultadas (por exemplo, um suicídio apresentado como um acidente). Devido a sentimentos de lealdade, os pacientes frequentemente não se atrevem a comunicar as incertezas que experimentam, fazer perguntas sobre elas ou investigá-las.

3.4 Sequelas de culpa e de violência na família

Em famílias onde há psicoses parece também haver um número bem maior de segredos de família e de tabus relacionados com atos de violência, crimes e injustiças de que participaram, como autores ou como vítimas, membros da família (geralmente de gerações precedentes). A culpa cometida ou experimentada geralmente não era encarada nem exteriorizada.

Ilustro com um exemplo de um seminário de constelações familiares:

Um homem de 33 anos, após uma grave tentativa de suicídio, procurou-me para uma terapia. Contou que nos últimos meses, quando estava se separando de sua namorada, retraiu-se de todo contato social e desenvolveu fantasias de perseguido e de perseguidor. Finalmente abriu a própria veia jugular e só foi salvo devido a circunstâncias felizes. Na época do início da terapia não mostrava sintomas psicóticos agudos, mas todos os sinais de uma grave crise de identidade e de autovalorização. Estava fortemente deprimido e padecia de sentimentos massivos de culpa, insuficiência e fracasso. Experimentava uma forte diminuição de seus impulsos e um retardamento motor, falava por monossílabos e estava grandemente limitado em sua expressão. Durante um ano de acompanhamento psicoterapêutico aconteceram vários episódios de crise e conversas em família com o pai e o irmão mais novo, que sempre exprimiam medo de uma recaída e pela vida dele. Ele se estabilizou, mas voltou a viver com os pais e cortou quase todo contato com o mundo exterior. Ele mesmo se queixava de falta de acesso emocional a si mesmo e à tentativa de suicídio, experimentava-se como se estivesse cortado de alguma coisa e não "sentisse" mais a si mesmo.

Sua participação num seminário de constelações familiares tinha o objetivo principal de retomar contato com outros (interessados). No decurso do seminário ele constelou sua família de origem (os pais, ele próprio e um irmão mais novo). Os representantes de todos eles disseram que tinham pouco contato com os próprios sentimentos. Como o representante do pai, na constelação da família, se virou e olhava para fora, interrogamos o cliente sobre destinos ou acontecimentos especiais em sua família de origem. Apuramos que dois de seus irmãos tombaram na guerra e que seu avô voltara para casa ferido por um tiro na barriga. Fizemos com que o cliente incluísse na constelação os dois tios e o avô. Ele reverenciou cada um deles. Os representantes dos tios se sentiram olhados e honrados em seu destino, mas o representante do avô disse que não se devia reverenciá-lo pois cometera algo muito grave. Paralelamente já se tinham modificado antes os sentimentos dos demais representantes da família, de forma incomum e dramática. Todos eles se afastaram do representante do avô e mostravam um forte medo. Respondendo às perguntas, o cliente só pôde informar que o avô tinha sido um participante entusiasta da guerra. Experimentalmente foram então introduzidos representantes de vítimas da guerra, que se deitaram no chão. Sua presença provocou no representante do cliente uma veemente compaixão, enquanto o representante do avô permaneceu frio e distante. O representante do cliente se inclinou diante das vítimas, despediu-se também do avô, que fora colocado à parte da família, e deixou com ele a culpa. Em seguida foi colocado ao lado do pai.

Depois da constelação o cliente contou que da herança do pai ele tinha pedido para si a mochila de guerra (na ocasião, tinha sete anos). Essa mochila continha, entre outros objetos de uso, o livro de Hitler "Mein Kampf" (Minha Luta) e uma velha pistola. Foi com essa arma que ele tentou suicidar-se e só recorreu à faca quando a pistola falhou. Foi profundamente tocante, para o cliente, sua vivência num grupo onde nem ele nem seu avô foram moralmente julgados, e no qual ele, de forma comovente, se dirigiu a seu pai e seu pai a ele. Por desejo próprio, ele terminou a terapia, depois umas cinco sessões adicionais, separadas por intervalos mais longos.

Dois anos depois, apareceu no consultório do terapeuta com um ramo de flores nas mãos. Relatou que tinha prestado com êxito seus exames finais como engenheiro, assumido um emprego e iniciado uma nova relação. Sentia que tinha “aterrissado bem na vida”. Disse que o seminário da constelação tinha sido a coisa mais difícil que conseguira na vida, e que fora incrivelmente importante para ele.

3.5 Outros dilemas que pesam

Certas situações se tornam também insustentáveis para tais pacientes quando, além das implicações sistêmicas, se defrontam com vários dilemas de relacionamento. Podem estar colocados, por exemplo, entre duas pessoas relacionadas que estejam em conflito total entre si (por exemplo, seus pais ou a mãe e uma avó que também more em casa). Pode ser ainda que alguém tenha colocado para eles expectativas comportamento totalmente contraditórias e inconciliáveis, ou que várias pessoas ao mesmo tempo lhes tenham colocado expectativas diferentes e estressantes.

Isto aconteceu, por exemplo, com uma paciente simultaneamente identificada com agressora e vítima. Na constelação ela ficou em posição transversa entre a representante da mãe e a da avó paterna, que se odiavam mutuamente. Tais triangulações adicionais marcantes dessas crianças foram frequentemente encontradas por nós nas constelações. Suas soluções proporcionaram claros alívios adicionais. Quando os pais provinham de países diferentes ou pertenciam a diferentes comunidades religiosas, isto trazia aos filhos novos dilemas.

4. Conclusão

Requer-se uma grande experiência terapêutica para se lidar cuidadosamente com as "informações" reveladas nas constelações, tomando-as, sim, a sério, não porém excessivamente à letra. Talvez mais do que em outros métodos, existe aqui, conforme a formação e a mentalidade do praticante, o perigo da simplificação, de uma abreviação sem seriedade e da manipulação. Além disto, cada família tem o direito de manter seus segredos. Pode ser útil que, depois de uma constelação, familiares acrescentem às percepções, até então tomadas como “loucas”, informações que esclareçam os acontecimentos já registrados. Quando, porém, aquilo que emerge nas constelações passa a ser considerado como a única verdade válida, a confusão e as manias apenas ficam piores. Em nossa apreciação, o trabalho da constelação familiar, com sua perspectiva sistêmica que abrange gerações e a utilização da representação espacial, é uma complementação e um prolongamento essencial do espectro terapêutico no tratamento de pessoas que exibem um comportamento psicótico. Nossas experiências apoiam as tentativas de pessoas versadas em assuntos psíquicos, no sentido de buscar um entendimento de seus sintomas aparentemente incompreensíveis como "mensagens do mundo interior". Nossa tendência é de interpretá-los, antes, como indicações de implicações sistêmicas até então não compreendidas.






(Dom Quixote - Alucinações)

Citações

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Trabalho apresentado no 4o módulo do Treinamento Internacional de Terapia Sistêmica, Belo Horizonte, setembro de 2002. Tradução de Newton Queiroz

Sobre os autores:
  
Dr. Gunthard Weber - Médico Psiquiatra e Psicoterapeuta
http://www.gunthard-weber.de/

Dra. Diana Drexler - Psicoterapeuta
http://www.dianadrexler.de/


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