Palestra proferida por Bert Hellinger no III
Congresso Internacional de Constelações Familiares de Sistemas Humanos -
Würzburg – Alemanha - 1 a 4 de Maio de 2001.
Tradução: Décio Fábio de Oliveira
Júnior
Revisão: Tsuyuko Jinno-Spelter
& Wilma Costa Gonçalves Oliveira
O
título da minha palestra hoje é "Cristãos
/Judeus — Alemães /Judeus — Curando a alma". O que considero alma
neste contexto é alma dos cristãos e dos alemães. Em vista do sofrimento do
povo judeu durante a era do nazismo, estou focando nesta questão específica,
nos termos do impacto dela sobre a alma dos alemães, distinguindo-os dos
cristãos em geral.
Os escolhidos e os
rejeitados
Na alma de ambos, cristãos e
judeus, o conceito de pessoas escolhidas por Deus desempenha um papel central.
Os cristãos tomaram esta imagem dos judeus e subsequentemente, se identificaram
como os novos escolhidos. Como resultado, eles viram o povo judeu como o povo
rejeitado, abandonado por Deus. A imagem de um povo escolhido, necessariamente,
atribui a Deus o fato de ele preferir um povo aos demais, eleva este grupo
acima dos outros, e confere a ele, poder para reger sobre os demais, em Seu
nome.
Como poderia, tal imagem de
Deus, encontrar um lugar em nossas almas? Podemos mesmo falar de Deus aqui? Tal
Deus, que escolhe e abandona, é ameaçador, porque mesmo os escolhidos, vivem
com medo de serem expulsos a qualquer momento. Estas são imagens que vêm da
profundidade da alma, em primeiro lugar da alma de cada indivíduo, e então, das
grandes profundezas daquela alma compartilhada pelo grupo maior. As imagens de
ser escolhido e abandonado vêm desta alma comum e são elevadas a um estado
celestial onde elas parecem estar acima de todos, como algo "divino",
algo a ser temido.
Aqueles que consideram a si
mesmos escolhidos identificam-se com um Deus que seleciona e rejeita e assim
eles também selecionam e rejeitam os demais. Neste processo eles se tornam algo
terrível aos olhos daqueles que são rejeitados.
Mas o que acontece quando
outros grupos e outros povos também agem de acordo com imagens internas
similares? O resultado fica claro nas guerras religiosas. Tais grupos não estão
nem conscientes de si nem dos outros como pessoas individuais. Ambos os lados
se comportam como se possuídos por uma loucura coletiva.
Mas na alma dos cristãos há
um fator adicional: os cristãos acreditam no mesmo Deus dos judeus. Assim, os
cristãos, em nome do Deus dos judeus, veem os judeus como o povo rejeitado e
roubado de seus direitos por este Deus comum. As dimensões terríveis que tal
presunção pode assumir foram demonstradas em nossa era pela tentativa dos
nazistas de destruir o povo judeu como um todo.
Alguém agora poderia
levantar aqui, a objeção de que os líderes nazistas e o movimento nazista não
foram cristãos em qualquer sentido da palavra. Nós não podemos permitir a nós
mesmos sermos cegados a esse ponto, porque a ideia nazista de ser "escolhido"
refletiu essencialmente uma característica cristã. O "Führer"
sentiu-se chamado pela providência a liderar o novo povo escolhido — neste caso
a imagem da raça superior — à dominação mundial e ao longo deste caminho,
eliminar os povos escolhidos anteriormente. Não importando o quanto distorcido
ou cego isso possa nos parecer agora, o Socialismo Nacional, junto com uma
grande parcela da população alemã, retirou energia para ir à Segunda Grande
Guerra, primariamente, deste senso de missão. As atrocidades perpetradas por
suas mãos foram essencialmente efetuadas a serviço de um "juízo
divino".
Este senso de missão não se
encerrou com o colapso do Terceiro Reich. Nós podemos vê-lo mesmo agora, nos
movimentos radicais de esquerda ou direita. Esses movimentos demonstram um
senso de missão similar e como consequência uma prontidão cega para usar a
violência contra os outros.
Jesus, o Cristo
Ainda, a oposição entre o
novo e o velho povo escolhido não pode, sozinha, explicar a aversão de muitos
cristãos ao povo judeu, nem a crueldade dos pogroms e as deportações.
Entretanto há ainda outra raiz que me parece a mais importante de todas. Tem a
ver com a irreconciliável diferença entre Jesus o homem de Nazaré e a crença em
sua ressurreição e ascensão à mão direita de Deus.
Para os primeiros cristãos,
Jesus, como homem, sumiu rapidamente de cena. A imagem de um Cristo que
ascendeu foi sobreposta a do Jesus homem até que ele encolheu e se tornou
irreconhecível. Isso permitiu aos cristãos reprimir a dolorosa realidade de que
Jesus se sentiu abandonado por Deus na cruz e que o Deus em que ele acreditava
não apareceu.
Elie Wiesel, o notável autor
judeu, relata um enforcamento público de uma criança num campo de concentração.
Olhando para esta atrocidade, alguém perguntou: "Onde está Deus
aqui?" Elie Wiesel respondeu: "É aquele que está pendurado lá".
Quando Jesus na cruz chorou
alto: "Meu Deus, meu Deus, porque me abandonaste?" alguém poderia ter
também perguntado: "Onde está Deus aqui?" E a resposta poderia ter
sido a mesma: "É aquele que está pendurado lá".
Os discípulos não puderam
suportar a realidade de seu Jesus abandonado por seu Deus. Eles escaparam disso
através da crença em sua ressurreição, através da crença em Jesus como Cristo
sentado à direita de Deus e em sua segunda vinda para julgar os vivos e os
mortos. E ainda, o homem Jesus e seu destino humano não teriam sido apagados
por esta crença na ressurreição. Isto continua na imagem dos judeus. O judaísmo
na alma dos cristãos, primeiramente, representa Jesus o homem, que o cristão,
acreditando na ressurreição dos mortos e na ascensão de Jesus à direita do Pai,
não consegue ver. Os cristãos temem olhar o Jesus esquecido por Deus, temem que
o seu medo os torne maus.
Assim, na medida em que
viram as costas para o Jesus o homem, então eles se viram contra os judeus como
uma manifestação do Jesus que eles temem e contra o Deus de Jesus e dos judeus,
que eles também temem. Esta é a imagem que eu obtenho quando olho para o que
acontece nas almas de muitos cristãos. Eu vou dar a vocês um exemplo: Um incidente ocorreu durante
um curso de dinâmicas de grupo para cristãos muito devotos. Os participantes
eram todos teólogos e serviam em altas posições em suas respectivas igrejas. O
líder do grupo sugeriu que se colocasse uma cadeira vazia no meio do grupo, e
os membros do grupo deveriam imaginar Jesus sentado nessa cadeira. Cada pessoa
poderia dizer algo a ele. Um participante imediatamente colocou a cadeira no
centro e os outros começaram a falar com Jesus. A ira contra Jesus que irrompeu
dos participantes foi inacreditável. A certo ponto, um participante correu até
a cozinha e, pegando uma faca, começou a golpear com ela a cadeira. Quando
terminou, todos ficaram chocados com aquilo que emergiu das profundezas de suas
almas e, se sentiram terrivelmente envergonhados.O líder do grupo, que tinha
sido considerado não-cristão por estes dedicados cristãos, disse: "Eu não
vejo nenhuma culpa neste homem".
Se eu olho para os judeus
durante sua perseguição pelo Terceiro Reich, e permito que esta imagem trabalhe
em mim, eu os vejo sendo arrebanhados juntos, e enviados para sua morte. Eu os
imagino concordando sem resistência, gentis e humildes, e vejo Jesus neles.
Jesus, o homem; Jesus, o judeu.
As vítimas do holocausto
estavam num papel, notavelmente como o Jesus cristão em face aos judeus. Como
um povo, em seu comportamento e em seu destino, elas incorporaram o
comportamento e o destino do Jesus cristão em face aos Conselheiros e Pilatos.
Desta vez, os cristãos foram os brutos e os judeus exemplificaram as
características de Jesus.
O mesmo Deus
Voltando à ideia de um Deus
que "escolhe", eu gostaria de dizer algo sobre o início da religião
na alma e acerca do que acontece nas almas dos cristãos quando eles se tornam
cristãos e nas almas dos judeus quando se tornam judeus.
Uma criança nasce em uma
família específica, tem pais específicos, dentro de uma família estendida também
específica. A criança tem uma cultura específica, é parte de um povo específico
e uma religião específica. A criança não pode escolher nenhuma dessas coisas.
Se a criança toma esta vida
como ela vem para ela ou ele, sem qualificações — se a criança toma esta vida
com tudo o que está incluído nesta família — o destino desta família, as
possibilidades, os limites, a alegria e o sofrimento – então a criança está
aberta, não só a estes pais, não só a este povo, não só a esta cultura
específica, não só a esta religião em particular; mas esta criança está aberta
a Deus e o que quer que seja que possamos sentir que esteja além deste nome.
Tomar a vida deste modo é um ato religioso. É o ato religioso.
Alguém que nasce numa
família judia não pode fazer nada mais, e não pode fazer nada além de começar
sua caminhada até Deus de um modo judeu. Esse é o único caminho aberto a esta
pessoa, e, deste modo, o único correto. O mesmo é verdade para um cristão
acerca do caminho cristão. Quaisquer que sejam as diferenças de crença entre
cristãos e judeus, eles são iguais quando se chega a este ato religioso
essencial. Esse movimento é independente do conteúdo de suas religiões e não
pode e nem deve ser abdicado, mesmo que a pessoa adote uma religião diferente
depois.
Eu vou dar um exemplo: Uma vez um jovem, em um
curso, veio buscar ajuda porque se sentia desconectado da vida. Os fatos que
emergiram foram que seu avô nascera judeu, mas o jovem neto se considerava cristão,
não um judeu. Quando nós posicionamos sua família, eu coloquei cinco
representantes próximos a seu avô para representar as vítimas do Holocausto. O
representante do avô espontaneamente deitou sua cabeça no ombro do
representante mais próximo. Após um instante, ele disse: "Este é o meu
lugar". Quando foi solicitado ao jovem que dissesse a seu avô: "Eu
também sou judeu e permaneço judeu", ele só conseguiu dizê-lo com grande
ansiedade e tremendo. Entretanto, uma vez que ele foi capaz de dizer isso, sentiu
seu próprio peso, pela primeira vez na vida.
O que foi verdadeiramente
religioso neste caso? Sua identificação com a cristandade ou seu retorno com
suas raízes judias? O ato religioso mais básico foi o seu reconhecimento:
"Eu sou judeu e permaneço judeu".
Uma árvore não pode escolher
onde cresce. Ainda assim, o lugar onde sua semente cai na terra é o lugar certo
para aquela árvore. A mesma coisa é verdadeira para nós. O lugar onde os pais
estão é o único lugar possível para cada ser humano e, deste modo, o lugar
certo. Cada pessoa pertence a um povo, tem uma língua, uma raça, uma religião e
uma cultura que são as únicas possíveis e, deste modo, as certas. Quando um
indivíduo concorda com isso em um senso profundo e humildemente toma isso a
partir do que é maior que todos os indivíduos e quando o individual se
desenvolve então apropriadamente, dando tudo o que é possível, então ele ou ela
se sente igual a todos os demais. Ao mesmo tempo vem o reconhecimento de que
esta força superior, como quer que nós a chamemos, tem de olhar para todos nós,
igualmente. Não importa quão diferentes os povos do mundo possam ser eles são
todos iguais perante esta grandeza.
Alemães e judeus
Dado este cenário, alguém
poderia perguntar: "Como podem os cristãos , acima de tudo os alemães ,
lidar com sua culpa perante os judeus? O que eles podem fazer e o que eles tem
que fazer para superar esta culpa e dar ao povo judeu um lugar de valor entre
eles? E como pode o povo judeu lidar com a culpa dos cristãos e dos
alemães?"
Eu tenho tido algumas
experiências em vários cursos, que indicam como a reconciliação pode ser
possível entre as vítimas e os agressores e, num sentido mais amplo, entre
alemães e judeus. Uma das mais dramáticas experiências foi num curso em Bern.
Um homem posicionou a constelação de sua família atual e então no final ele
disse que tinha algo importante a acrescentar — ele era judeu. Eu reagi a isto
posicionando sete representantes para vítimas do Holocausto e atrás delas, sete
representantes para agressores mortos. Eu pedi então aos representantes das
sete vítimas que se virassem e olhassem nos olhos dos agressores.
Após isto, não fiz mais
nada. Deixei o movimento inteiramente por conta deles, como se desenvolvia,
naturalmente. Alguns agressores caíram, se enrolaram no chão e choraram alto em
dor e vergonha. As vítimas se viraram para os agressores e olharam para eles.
Elas ajudaram aqueles que estavam no chão a se levantarem, colocaram-nos nos
braços e os confortaram. Finalmente, houve um indescritível amor que emergiu
entre eles.
Um dos agressores estava
completamente rígido e não podia se mover de forma nenhuma. Eu coloquei então,
uma pessoa atrás dele para representar o agressor por trás do agressor. O
primeiro representante apoiou suas costas contra este novo representante e foi
capaz de relaxar um pouco. O homem disse mais tarde que ele tinha se sentido
como um dedo de uma mão gigante, totalmente a sua mercê. Isto também foi
relatado pelos outros nessa constelação. Todos, vítimas e agressores,
sentiram-se dirigidos, mas, também, carregados por uma força maior — uma força
cujos efeitos não estavam claros.
Após essa constelação,
solicitei a todos os participantes que me enviassem um relato do que haviam
experimentado durante a constelação. Um representante de um agressor me
escreveu: À medida que você colocou
sete de nós atrás das sete vítimas, eu fui tomado por um sentimento muito
estranho e desagradável. Eu, intuitivamente, antecipei alguma coisa ruim, mesmo
que não estivesse ainda claro para mim até aquele momento quem eu estava
representando. Quando você disse que nós representávamos os agressores, um
calafrio correu pela minha espinha. Quando as vítimas se viraram e eu olhei o
homem que estava oposto a mim, toda a energia foi drenada do meu corpo. Eu
nunca senti tanta vergonha na minha vida. Eu só olhava para ele e isto ia me
tornando menor, na medida em que ele ia se tornando maior. Eu não queria nada,
exceto, desaparecer em um buraco no chão, de preferência um buraco de rato bem
fundo na terra. Dentro de mim eu estava
gritando "NÃO, NÃO, NÃO, isto não pode ser verdade". Eu senti a
necessidade de pedir desculpas, mas ao mesmo tempo uma voz interna me disse que
não havia meio de fazê-lo, nada poderia ser mudado, eu mesmo tinha que carregar
tudo. A única palavra que eu pude pronunciar foi "por favor", neste
momento minha vítima me tomou em seus braços. Sem este apoio eu teria caído no
chão de vergonha. Em seus braços, minha voz interna mantinha-se dizendo
"eu não mereço isto, eu não mereço isto tudo — ser amparado por ele."
Por sorte, eu fui capaz de deixar minhas lágrimas fluírem. De outro modo, a
coisa toda teria sido insuportável. Após minha vítima ter me
deixado ir novamente, eu me senti um pouco melhor. Eu podia sentir vagamente o
chão sob meus pés e podia respirar um pouco mais livremente. Ao mesmo tempo,
estava consciente de que ele era somente a primeira vítima e havia ainda muito
mais vítimas em minha consciência. Não só duas ou três, não — dezenas ou mesmo
centenas ! Eu senti a forte necessidade de olhar cada uma delas nos olhos, e
assim encontrar minha própria paz interior. Quando você colocou um
super-agressor atrás de nós, imediatamente ficou claro para mim que eu tinha de
carregar sozinho a responsabilidade por tudo o que eu tinha feito. Não havia
nenhum alívio que viesse deste agressor que estava atrás de mim. Eu também
senti fortemente que teria sido muito melhor ter ficado do outro lado e não ter
assumido toda esta culpa insana.
Minha necessidade de olhar a
próxima vítima ficou mais intensa, mas de fato, o próximo contato de olhos,
literalmente, me jogou no chão. Eu não podia mais ficar de pé. Eu chorei
amargamente. Eu "fui". Eu estava apenas consciente de uma voz bem
distante que dizia: "Agora volte lentamente", e fui voltando bem
devagar. Para mim, havia ainda muita coisa inacabada, muitas vítimas não tinham
sido vistas. Havia ainda uma poderosa urgência para trazer ordem a este negócio
inacabado. Após a constelação gastei
pelo menos uma hora para voltar totalmente a mim mesmo de novo e sentir a minha
força total. Para mim, essa foi
verdadeiramente um dos papéis mais difíceis que eu já tinha experimentado em
uma constelação familiar. Foi também estranho o modo pelo qual os pensamentos
emergiam tão cristalinos em minha consciência. Por exemplo, que era impossível
empurrar a responsabilidade de minhas próprias ações para um outro alguém,
mesmo que fosse algo pequeno na máquina. Após tal experiência, você sabe que
não há nada mais a discutir, ou perguntar, ou explicar. É simplesmente como é.
Em uma constelação como
esta, também fica claro que não há grupos, no sentido de que estas são as
vítimas e aqueles os agressores. Só existem as vítimas individuais e os
agressores individuais. Cada agressor individual tem de encarar a sua vítima
individualmente, e cada vítima individual tem de encarar seu agressor
individual.
O que se torna claro é que
não há paz para as vítimas mortas até que os agressores mortos tenham tomado
seu lugar próximo a elas — até que os agressores mortos tenham sido tomados por
suas vítimas. E, não há paz para os agressores até que eles tenham deitado ao
lado de suas vítimas como iguais. Se isto não acontece, se isto não é permitido
acontecer, os agressores serão representados por alguém na próxima geração. Por
exemplo, enquanto aos agressores da última guerra for negado um lugar nas almas
dos alemães, eles serão representados pelos radicais de direita. Nas
constelações de famílias judias, onde há descendentes de vítimas do Holocausto,
eu tenho visto frequentemente, uma criança identificada com um daqueles
agressores. Não há nenhuma alternativa de reconciliação real, mesmo com os
agressores.
Nestas constelações também
fica claro que emaranhamentos só são resolvidos entre aqueles que foram
realmente afetados, isto é, entre o agressor específico e sua vítima
específica. Ninguém mais pode se interpor entre eles, ninguém mais tem o
direito ou tarefa ou poder de fazê-lo. Nas constelações os representantes das
vítimas mortas e os agressores mortos não querem os vivos interferindo em seus
assuntos. Eles querem os vivos fora destas coisas e querem que a vida continue,
sem ser limitada ou sobrecarregada com suas recordações. Do ponto de vista dos
representantes das pessoas mortas, a vida pertence aos vivos que estão livres
para tomá-la.
Eu tenho uma fantasia disto
em termos de que efeito isto teria na alma dos cristãos se eles imaginassem
Jesus morto, encontrando no reino dos mortos todos aqueles que o traíram,
julgaram e executaram. Quando nós olhamos para eles como seres humanos, todos
iguais em face aos grandes poderes que controlam seus destinos, então damos a
todos eles nosso respeito, embora isto possa ser um pensamento repulsivo para
muitos de nós. Acima de tudo, nós temos de honrar e respeitar o grande poder
por detrás deles e de todos nós, como um mistério incompreensível.
Submeter-se a este mistério
deste modo é algo verdadeiramente religioso e humano. Certa vez, eu fiz um
exercício, nesse sentido, com uma mulher judia em cuja família muitos tinham
sido assassinados.
Ela se sentiu chamada a
reconciliar os vivos e os mortos. Eu pedi a ela que fechasse os olhos e fosse
imaginariamente ao reino dos mortos. Ela deveria ficar entre os seis milhões de
vítimas do holocausto e olhar para frente, para trás e para os lados direito e
esquerdo. Em torno desta enorme massa de seis milhões de mortos, estavam
deitados os agressores. Então todos se levantavam, as vítimas mortas, os
agressores mortos e todos se viravam em direção ao horizonte, para o leste. Lá,
eles viam uma luz branca e todos se curvavam a esta luz. A mulher também se
curvou com todos os mortos e quando ela terminou, retirou-se lentamente,
deixando os mortos na memória diante daquilo que apareceu no horizonte, mas que
permanecia oculto. Então ela se virou de costas para os mortos e olhou para a
vida de novo.
Recompensa
Algumas vezes os vivos
precisam encarar os mortos. Olhá-los e serem vistos por eles — principalmente
aqueles que são culpados em relação aos mortos, mas também aqueles que
obtiveram alguma vantagem às custas do destino terrível de seus vizinhos judeus.
Em muitas constelações o que tem emergido é que aqueles indivíduos que sofreram
com os erros de outros, afetam a alma dos indivíduos que cometeram tais erros,
ou as almas daqueles que se beneficiaram destes erros, assim como as almas de
seus descendentes.
Esta influência continua até
que o erro tenha sido reconhecido e visto e até que as vítimas sejam
reconhecidas como pessoas de igual valor, sejam respeitadas e seja feito luto
por elas. Quando isto é feito, a ferida pode fechar e os efeitos terríveis de
tais erros cessam.
Em conclusão, eu contarei a
vocês uma estória que os levará a uma viagem pela alma se vocês desejarem
segui-la.
A volta
Alguém nasce em sua família,
em sua pátria, em sua cultura e já desde criança ouve falar de seu modelo,
professor e mestre, e sente um desejo profundo de tornar-se e ser como ele.
Junta-se a um grupo de
pessoas que pensam da mesma forma, exercita disciplina por muitos anos e segue
seu grande modelo, até que se torna igual a ele e pensa, fala, sente e quer
como ele.
Entretanto, pensa que ainda
falta uma coisa. Assim, parte por um longo caminho, buscando transpor, talvez,
uma última fronteira na mais distante solidão. Passa por velhos jardins, há
muito abandonados. Ali apenas florescem rosas silvestres e grandes árvores dão
frutos todos os anos, mas eles caem esquecidos no chão porque não há ninguém aí
que os queira. Dali em diante, começa o deserto.
Logo é cercado por um vazio
desconhecido. Parece-lhe que, aí, todas as direções são iguais e, as imagens
que às vezes vê diante de si logo se mostram vazias. Caminha impulsionado para
adiante e quando já tinha perdido, há muito tempo, a confiança nos seus
próprios sentidos, avista diante de si a fonte. Ela brota da terra e nela imediatamente
se infiltra. Porém, até onde a água alcança, o deserto se transforma num
paraíso.
Olhando à sua volta, vê,
então, dois estranhos se aproximarem. Tinham feito exatamente como ele. Tinham
seguido seus modelos, até se tornarem iguais a eles. Tinham empreendido, como
ele, um longo caminho, buscando transpor, talvez, uma última fronteira na
solidão do deserto. E encontraram, como ele, a fonte. Juntos, os três se
curvam, bebem da mesma água e acreditam estar quase na meta. Depois dizem seus
nomes: "Eu me chamo Gautama, o Buda". — "Eu me chamo Jesus, o
Cristo". — "Eu me chamo Maomé, o Profeta".
Mas, então, chega a noite e,
acima deles, como sempre, brilham as estrelas inalcançáveis, distantes e
silenciosas. Os três se calam e um deles sabe que está mais próximo do seu
grande modelo como nunca. É como se pudesse, por um momento, pressentir o que
Ele sentira quando o soube: a impotência, a frustração, a humildade. E como
deveria ter sentido, se tivesse conhecido também a culpa.
Na manhã seguinte, ele
volta, saindo salvo do deserto. Mais uma vez, seu caminho o leva por jardins
abandonados, até que acaba em um jardim que lhe pertence. Diante da entrada
está um homem velho, como se estivesse esperando por ele. Ele diz: "Quem
de tão longe encontra, como você, o caminho de volta, ama a terra úmida. Sabe
que tudo o que cresce também morre e, quando cessa, nutre". —
"Sim", responde o outro, "eu concordo com a lei da terra".
E começa a cultivá-la.
Bert Hellinger (2001)
Bom da sr René!
ResponderExcluirGratidão.
Lilian
Tocante e profundo!
ResponderExcluirSó cabe aos envolvidos a resolução...