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24/09/2018

Movimento Interrompido em direção à mãe e/ou ao pai



Reflexões selecionadas acerca da temática: Movimento de amor interrompido em direção à mãe ou ao pai.



"Norbert Linz :O que se deve entender concretamente por "movimento interrompido"?

Bert Hellinger: Quando a criança quis ir em direção à mãe ou ao pai mas não pôde fazê-lo, por exemplo, porque estava no hospital ou numa incubadora como bebê prematuro, ou ainda porque o pai ou a mãe morreram cedo, então o amor se transforma em dor, que é o outro lado do amor. No fundo, é exatamente a mesma coisa. A dor é tão grande que a criança mais tarde nunca mais quer aproximar-se dela. Ao invés de ir ao encontro da mãe ou de outras pessoas, prefere manter-se distante delas. Em vez do amor, sente raiva ou desespero e a dor da perda. Quando o terapeuta sabe disso, pode prescindir desses sentimentos mais superficiais e visar diretamente o amor. Ele conduz o cliente até o ponto em que o movimento foi interrompido e o restabelece, no contexto de uma terapia primal ou de uma constelação familiar. Desta maneira, o movimento interrompido é reconduzido ao seu termo, advindo uma profunda paz. Então acaba muita coisa que resultara da mágoa primitiva, como medos, compulsões, fobias, sensibilidade excessiva ou outras formas conhecidas de comportamento neurótico."
“A essência do Movimento Interrompido é a sensação de estar capturado entre o desejo de liberdade e o de conexão - mas não sendo nem verdadeiramente conectado nem verdadeiramente livre”Dra. Ursula Franke Bryson


"O sofrimento, para Bert Hellinger, tem duas razões principais: 
1) o emaranhamento no sistema familiar que procede normalmente de uma geração anterior;
 2) um movimento interrompido do alcançar, da história da vida pessoal.

O primeiro tipo é tratado com constelação, o segundo com uma intervenção parecida com a “Terapia do Holding”, desenvolvida por Prekop, um psicólogo bem conhecido na Alemanha por seu trabalho com crianças.

A criança é totalmente fundida à mãe no início e dela depende em tudo. Cada criança tem um instinto natural de estender a mão em direção à mãe, uma forma de “amor primário”, poderoso e incondicional que garante a sobrevivência da criança enquanto que a mãe tem o instinto de cuidar do filho. Os dois movimentos combinados propiciam o desenvolvimento de um vínculo profundo deles.

O movimento interrompido do alcançar a mãe fica interrompido pela retração emocional da mãe (ou do pai). Nesse caso, ocorre um trauma pessoal da criança que não é o resultado de entrelaçamentos transgeracionais.

Esse problema geralmente ocorre muito cedo na vida - durante a gravidez, durante o nascimento, logo após o nascimento e é muito doloroso para a criança. O trauma mais prejudicial é uma separação precoce da mãe e do bebê: a morte dela após o parto, a impossibilidade de cuidar do filho, o nascimento prematuro que exige que o bebê seja mantido em incubadora e até mesmo os casos de adoecimento materno.
Não menos graves são as situações de o nascimento oferecer risco de vida para a mãe ou para o filho ou risco de vida externo durante a gravidez (guerra). Essas coisas podem causar uma interrupção no movimento natural da criança em direção à mãe e, mesmo após a cessação dele, ele continua de maneira fragmentada, impedindo a realização e a completude.
No curso normal do crescimento, a criança se move lentamente da total unidade com a mãe para um sentido de si mesmo mais separado - individuação - através da qual a criança vai reunindo a sua própria identidade, deixando de ser um-com-a-mãe para se tornar um-em-si-mesmo. Isto é o modelo básico do desenvolvimento da criança, portanto ser criança é estar em um processo de se separar dos pais. Entretanto, ela ainda não é uma personalidade integrada, sendo necessárias muitas conquistas antes de ela ser capaz de estar apoiada sobre os próprios pés completamente. Enquanto isso vai se desenrolando, os pais devem continuar a exercer a função de sustentação essencial para ela.
A perda de um dos pais em uma idade precoce coincide com o período de grande dependência dela sendo esse fato, portanto, profundamente perturbador. Quanto mais cedo ele ocorrer, mais traumático será, sendo a perda da mãe, provavelmente, a mais traumática de todas as perdas.
Sem ser capaz de digerir a dor da separação, a criança não pode absorver o impacto total da experiência e a psique dela responde com barreiras e compensações de todos os tipos, permanecendo como que no limbo, dependurada como um registro que ficou enfiado dentro de uma rachadura na rocha.
O que se torna um bebê negligenciado é que, no começo, ele chora de raiva e desespero até que um momento ele silencia porque desistiu de tentar chamar a atenção da mãe e se refugiou, retraidamente, dentro de si.
A criança retraída aprendeu a não pedir o que ela precisa: ela parou de estender a mão em direção à mãe e se tornou incapaz de seguir os próprios impulsos de sustentação da vida para receber o que precisa dela (mesmo que a mãe se ponha disponível depois). O período de separação é crucial para determinar se a criança vai desenvolver uma personalidade desconfiada e retraída. É um padrão de proteção que nos afasta do amor e da afeição dos outros e que serve para evitar um padrão inconsciente de sentimento de rejeição na infância.
Mesmo depois de se tornar adulta, é provável que desenvolverá um padrão de não se aproximar das outras pessoas. Normalmente, essa pessoa vai construir uma abordagem adulta que vai até um ponto-limite e, após tê-lo atingido, passa a andar em círculos, ao invés de seguir em frente para receber o amor de uma forma simples. Ao invés de ir em linha reta em direção a um alvo, a fim de receber, nos movemos para os lados ou para trás, como em um carrossel que não leva à realização e nos traz de volta ao ponto inicial, nada ganhando ou alcançando. Esse movimento explica o fracasso contínuo de certos clientes, que se boicotam todas as vezes que chegam ao ponto-limite, podendo se dar tanto na esfera afetiva como na de trabalho, por exemplo.
Depois que entendemos o cenário da primeira infância, a solução fica clara. O terapeuta pode tentar restaurar o movimento interrompido, o vínculo, o fluxo de amor entre mãe, pai e filho, ajudando o cliente a concluir o movimento de estender a mão - e completar aquilo que não pôde ser concluído antes, na época certa.
O próprio terapeuta pode fazer o papel da mãe e ajudá-lo a restabelecer a ligação através da criação de uma situação segura, no qual o cliente pode reviver, em pequenas doses, um pouco da dor que ocorreu na infância com a mãe, quando esta não estava lá. Desta vez, porém, ele não será deixado sozinho mas será sustentado pelo terapeuta enquanto passa por tais emoções dolorosas. Isto é um processo de cura que permite que aquilo que ocorreu na infância possa se integrar na vida adulta do cliente.
Em vez de fazer uma constelação, Bert Hellinger sugere que o terapeuta construa uma situação de confiança que permita ao terapeuta ocupar o lugar de uma mãe-substituta do cliente, segura-lo fisicamente no colo proporcionando que ele reviva a experiência de ser separado da mãe, de quase morrer, sentindo a dor que não pode sentir, reconhecendo a experiência traumática inicial, entrando em contato com necessidade básica que a criança tem do amor da mãe e a dor que surge se a conexão amorosa é interrompida por uma separação. O cliente perceberá que, como medida de sobrevivência, se separou da dor mas que ficou dormente e congelado; mas que, agora, pode revive-la no corpo, na segurança dos braços do terapeuta que está ali como ancoragem.
Se for o caso de o pai ter morrido quando a criança era muito nova, podemos convidar o representante da mãe a ser o elo da ligação da criança com o pai pois é a mãe quem importa mais e ela é a figura que, na vida, apresenta o pai à criança.
É importante notar que o movimento interrompido do início da infância é o único caso de o movimento de reconciliação ter de vir dos pais. É assim porque quando o cliente era criança, ele não podia se mover por conta própria (o trauma original ocorreu quando ele era muito pequeno e não podia fazer nada por si mesmo). Na maioria dos outros casos, o movimento de reconciliação vem do cliente, que vai em busca da mãe para receber dela.
Claro que esta obra de recuperação do movimento interrompido pode acontecer com variações por causa do cliente e do terapeuta. Na minha experiência, talvez por ter sido menos influenciado por terapias corporais de revivescência, muito difundidas nos anos 70, dentro de uma constelação, quando se atinge tais camadas mais profundas da psique do cliente, o seu representante se transforma em uma criança pequena, ainda no chão, adota uma postura recurvada ou até mesmo em posição fetal.
Eu mesmo já tive a grata experiência de representar essas situações diversas vezes - fazer uma criança retraída para quem a mãe não estava lá - e me beneficiar, como pessoa, um certo grau de cura de traumas menos salientes que decorrem das falhas da mutualidade da relação da minha mãe comigo enquanto bebê.
Para o cliente que assiste a esse tipo de cena na sua constelação, existe um impacto psicológico que dispensa a necessidade de ter de segurá-lo fisicamente, como Hellinger propôs. Contudo, quando um acesso emocional energético está sendo insuficiente, peço para que o cliente tomar o lugar do representante, ocupando ele mesmo aquilo que estava sendo representado por um terceiro e então romper a barreira defensiva que foi construída na sua alma." (Texto do psicólogo e psicanalista Miguel Mello)

O Movimento amoroso interrompido

"O que as pessoas costumam fazer, a menos que desenvolvam consciência suficiente ou curem bem as feridas, é repetir esse esquema relacional/afetivo na troca amorosa. Por exemplo, se a relação com os pais for de vítima, facilmente se repetirá o esquema com o parceiro, até que o outro, que provavelmente adotou um papel salvador com os seus, perceba que não consegue salvar essa pessoa e a relação se deteriore ou acabe em violência e grande desânimo. Esta é, enfim, a outra face do amor que nos faz bem.
Pessoalmente, acho que essa interrupção do movimento amoroso espontâneo e natural para os progenitores não ocorre só quando há uma separação precoce e dolorosa da mãe ou do pai, ou dos dois; ela é universal, todo mundo o interrompe em algum momento, às vezes de uma maneira grave e outras de uma maneira mais suave. Ou seja, todos experimentamos algum tipo de queda do paraíso amoroso biológico cheio de inocência e ingressamos penosamente nas filas do medo, transformando a pureza de nosso coração em uma tortuosa negociação com o amor.

Wilhelm Reich, conhecido como um dos pioneiros na introdução do corpo e sua couraça muscular na terapia, falou da praga emocional que se perpetua entre pais e filhos. Isso quer dizer que até mesmo os melhores pais, ou os pais mais bem-intencionados e amorosos, em algum momento ferem seus filhos, e também todos os filhos em algum momento ferem seus pais. As feridas e a falta de respeito também fazem parte de qualquer relação de intimidade.

A ferida pode ser grave, como quando se perde um dos pais, ou quando ocorrem abusos ou violência, ou mesmo quando o feto sofre por excesso de emoções estressantes ou pelo uso de substâncias tóxicas durante a gravidez; mas, de qualquer maneira, cabe a todos nós descobrir e trabalhar de que maneira interrompemos esse movimento amoroso espontâneo, e que estratégia, que estilo afetivo, que modo tortuoso, que negócio vincular indireto geramos ao fazê-lo. Porque muito provavelmente vamos levar ao relacionamento esse estilo afetivo e teremos de revisá-lo.

Alguns casais se instalam em estilos afetivos que não se encaixam e que causam muito sofrimento e muita desnutrição. O casal tem de tolerar e sustentar certa dose de mal-estar, ou de tensão ou de estresse em certos contextos, mas, quando essa situação se torna crônica, as pessoas perdem vitalidade, ficam desnutridas. E uma das funções dos membros do casal é ser nutritivos e acompanhar um ao outro.
Enfim, somar mais que dois."

Texto de Joan Garriga - do livro: "O amor que nos faz bem"

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