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17/11/2025

O DNA do Brasil foi decifrado

 

E ele revela um país muito mais profundo, desigual e surpreendente do que imaginávamos.

Um estudo inédito mapeou o genoma completo de 2.723 brasileiros.

Spoiler: somos o povo com o mais alto grau de diversidade genética recente no mundo.

 

Pela 1ª vez, cientistas decifraram com altíssima precisão o genoma da população brasileira.

Publicada na revista Science, a pesquisa analisou todas as regiões do país, com dados de comunidades urbanas, rurais e ribeirinhas.

É o maior banco genético da história do Brasil.

Resultado: somos a população com maior nível de mistura genética recente do planeta.

 

O projeto, chamado DNA do Brasil, sequenciou o genoma de brasileiros com cobertura média de 35x, usando tecnologia de ponta.

Foram identificadas mais de 8 milhões de variantes genéticas inéditas, das quais 36.637 são potencialmente patogênicas.

São mutações que afetam o risco de doenças cardíacas, obesidade, infecções tropicais, fertilidade e muito mais.

 

Nossa média nacional de ancestralidade:

60% europeia

27% africana

13% indígena

Mas isso varia muito por região:

️ Norte e Nordeste: mais africana e indígena;

️ Sul: mais europeia;

️Centro-Oeste e Sudeste apresentam maior diversidade e mistura das três origens.

Essa diversidade é única no mundo. E está conectada à nossa história de colonização, escravidão e violência contra populações indígenas.

 

A miscigenação brasileira foi violenta e desigual.

Segundo o estudo, 71% das linhagens do cromossomo Y (herdado dos pais) são de origem europeia.

Já 42% das linhagens mitocondriais (herdadas das mães) são africanas e 35% são indígenas.

Ou seja: a base genética brasileira nasce de uma estrutura colonial de dominação sexual e racial. Está literalmente gravada no DNA.

 


Mas o estudo vai além da história.

A pesquisa descobriu mutações genéticas associadas a:

• Malária

• Tuberculose

• Hepatite

• Leishmaniose

• Gripe

• Salmonelose

• Infertilidade

• Distúrbios metabólicos (colesterol, lipídios, obesidade)

• Variantes protetoras e variantes letais

É um mapa detalhado de riscos à saúde pública brasileira — e uma chave para enfrentá-los.

 

Com base nesses dados, será possível criar:

Diagnósticos precoces personalizados;

Terapias genéticas específicas;

Tratamentos voltados à diversidade brasileira;

Prevenção de doenças negligenciadas por séculos.

 

Sem isso, seguimos aplicando parâmetros genéticos europeus a um povo que é miscigenado e tropical. Ou seja, erro atrás de erro.

 

A pesquisa também mapeou sinais de seleção natural recente, algo extremamente raro de ser detectado.

Em apenas 500 anos, variantes genéticas ligadas à fertilidade, metabolismo e sistema imune foram favorecidas.

Por quê?

Porque quem sobreviveu à brutalidade do Brasil colonial, sobreviveu às doenças, à fome e à violência.

A natureza selecionou.

 

O DNA revelou que algumas doenças raras no mundo são relativamente comuns no Brasil.

Exemplo:

Doença de Machado-Joseph, de origem portuguesa, se espalhou por pequenas comunidades isoladas no país — efeito fundador.

Sem mapeamento genético, essas doenças seriam invisíveis. Agora podemos diagnosticá-las, tratá-las e preveni-las.

 

A ancestralidade indígena ainda é pequena no total (13%), mas é fundamental para recuperar parte da história genética apagada com a erradicação pós-colonial.

Esses genes sobrevivem em brasileiros miscigenados.

A pesquisa permite resgatar características de povos que foram exterminados, mas ainda vivem biologicamente entre nós.

 

A ciência escancarou o que a história tentou esconder:

Mais de 90% dos indígenas brasileiros foram mortos entre os séculos XVI e XIX.

A consequência disso é genética: várias linhagens foram extintas.

E isso gera um problema moderno: nossa sub-representação nos bancos de dados genéticos internacionais.

 

O estudo revelou que variantes patogênicas aparecem com mais frequência entre populações com ascendência africana e indígena.

Mas atenção:

Isso não significa que esses grupos “têm mais doenças”.

Significa que foram historicamente negligenciados pela ciência.

A genética reforça a urgência da equidade científica e médica.

 




Com o software GNOMIX, os pesquisadores conseguiram traçar a ancestralidade de cada trecho do genoma.

Isso permitiu ver onde ocorreram cruzamentos, quais variantes foram preservadas, e até identificar padrões de casamento ao longo dos séculos.

Acredite: a genética revela com quem seus ancestrais se relacionavam e/ou casavam.

 

Durante o Brasil Colônia (séculos XVI–XVIII), os cruzamentos eram assimétricos.

A partir do século XIX, o estudo detecta “acasalamento seletivo” — ou seja, as pessoas começaram a se relacionar preferencialmente com quem tinha ancestralidade parecida.

Essas decisões afetaram como as doenças e características genéticas se perpetuaram até hoje.

 

A equipe também estimou a história demográfica do Brasil usando segmentos de DNA compartilhados por ancestralidade.

A partir disso, inferiram o tamanho efetivo das populações ao longo do tempo (Ne), impactos de epidemias, fluxos migratórios, isolamento e crescimento populacional por estado.

É genética contando história sem precisar de livros.

 

O DNA ainda mostra que o Brasil sofre de desigualdades estruturais que afetam a saúde:

Grupos com mais ancestralidade africana/indígena têm mais variantes associadas a doenças — não porque sejam “biologicamente inferiores”, mas porque são mais pobres, vivem em piores condições, e foram excluídos dos avanços médicos e genéticos.

 

E há um recado importante para a ciência do futuro:

Sem diversidade genética nos estudos, os tratamentos vão continuar falhando.

A maioria dos bancos de dados genéticos globais ignora populações como a brasileira.

Mas o DNABR muda isso: é soberania genética. É ciência feita no Brasil, para o Brasil.


Toda essa pesquisa envolveu:

Ferramentas como ADMIXTURE, MALDER, TRACTS, CHROMOPAINTER

Algoritmos de IA para detecção de seleção natural

Comparações com bancos globais (HGDP, 1000 Genomes, gnomAD)

Um verdadeiro esforço de ponta da ciência brasileira e internacional.

E o melhor: é aberto ao público.

 

O DNA do Brasil foi decifrado.

E ele diz o seguinte:


Somos um povo único no planeta.

Carregamos a história da humanidade no corpo. 

 Precisamos de ciência local, diversa e inclusiva. 

E só com isso vamos enfrentar nossas doenças, desigualdades e construir um futuro de verdade.

 

Fontes: James Webb & https://www.science.org/doi/10.1126/science.adl3564

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