E ele revela um país muito mais profundo, desigual e surpreendente
do que imaginávamos.
Um estudo inédito mapeou o genoma completo de 2.723
brasileiros.
Spoiler: somos o povo com o mais alto grau de diversidade
genética recente no mundo.
Pela 1ª vez, cientistas decifraram com altíssima precisão o
genoma da população brasileira.
Publicada na revista Science, a pesquisa analisou todas as
regiões do país, com dados de comunidades urbanas, rurais e ribeirinhas.
É o maior banco genético da história do Brasil.
Resultado: somos a população com maior nível de mistura
genética recente do planeta.
O projeto, chamado DNA do Brasil, sequenciou o genoma de
brasileiros com cobertura média de 35x, usando tecnologia de ponta.
Foram identificadas mais de 8 milhões de variantes genéticas
inéditas, das quais 36.637 são potencialmente patogênicas.
São mutações que afetam o risco de doenças cardíacas,
obesidade, infecções tropicais, fertilidade e muito mais.
Nossa média nacional de ancestralidade:
60% europeia
27% africana
13% indígena
Mas isso varia muito por região:
➡️ Norte e Nordeste: mais
africana e indígena;
➡️ Sul: mais europeia;
➡️Centro-Oeste e Sudeste
apresentam maior diversidade e mistura das três origens.
Essa diversidade é única no mundo. E está conectada à nossa
história de colonização, escravidão e violência contra populações indígenas.
A miscigenação brasileira foi violenta e desigual.
Segundo o estudo, 71% das linhagens do cromossomo Y (herdado
dos pais) são de origem europeia.
Já 42% das linhagens mitocondriais (herdadas das mães) são
africanas e 35% são indígenas.
Ou seja: a base genética brasileira nasce de uma estrutura
colonial de dominação sexual e racial. Está literalmente gravada no DNA.
Mas o estudo vai além da história.
A pesquisa descobriu mutações genéticas associadas a:
• Malária
• Tuberculose
• Hepatite
• Leishmaniose
• Gripe
• Salmonelose
• Infertilidade
• Distúrbios metabólicos (colesterol, lipídios, obesidade)
• Variantes protetoras e variantes letais
É um mapa detalhado de riscos à saúde pública brasileira — e
uma chave para enfrentá-los.
Com base nesses dados, será possível criar:
✅ Diagnósticos precoces
personalizados;
✅ Terapias genéticas
específicas;
✅ Tratamentos voltados à
diversidade brasileira;
✅ Prevenção de doenças
negligenciadas por séculos.
Sem isso, seguimos aplicando parâmetros genéticos europeus a
um povo que é miscigenado e tropical. Ou seja, erro atrás de erro.
A pesquisa também mapeou sinais de seleção natural recente,
algo extremamente raro de ser detectado.
Em apenas 500 anos, variantes genéticas ligadas à
fertilidade, metabolismo e sistema imune foram favorecidas.
Por quê?
Porque quem sobreviveu à brutalidade do Brasil colonial,
sobreviveu às doenças, à fome e à violência.
A natureza selecionou.
O DNA revelou que algumas doenças raras no mundo são relativamente
comuns no Brasil.
Exemplo:
Doença de Machado-Joseph, de origem portuguesa, se espalhou
por pequenas comunidades isoladas no país — efeito fundador.
Sem mapeamento genético, essas doenças seriam invisíveis.
Agora podemos diagnosticá-las, tratá-las e preveni-las.
A ancestralidade indígena ainda é pequena no total (13%),
mas é fundamental para recuperar parte da história genética apagada com a erradicação
pós-colonial.
Esses genes sobrevivem em brasileiros miscigenados.
A pesquisa permite resgatar características de povos que
foram exterminados, mas ainda vivem biologicamente entre nós.
A ciência escancarou o que a história tentou esconder:
Mais de 90% dos indígenas brasileiros foram mortos entre os
séculos XVI e XIX.
A consequência disso é genética: várias linhagens foram
extintas.
E isso gera um problema moderno: nossa sub-representação nos
bancos de dados genéticos internacionais.
O estudo revelou que variantes patogênicas aparecem com mais
frequência entre populações com ascendência africana e indígena.
Mas atenção:
❌ Isso não significa que esses
grupos “têm mais doenças”.
✅ Significa que foram
historicamente negligenciados pela ciência.
A genética reforça a urgência da equidade científica e
médica.
Com o software GNOMIX, os pesquisadores conseguiram traçar a
ancestralidade de cada trecho do genoma.
Isso permitiu ver onde ocorreram cruzamentos, quais
variantes foram preservadas, e até identificar padrões de casamento ao longo
dos séculos.
Acredite: a genética revela com quem seus ancestrais se
relacionavam e/ou casavam.
Durante o Brasil Colônia (séculos XVI–XVIII), os cruzamentos
eram assimétricos.
A partir do século XIX, o estudo detecta “acasalamento
seletivo” — ou seja, as pessoas começaram a se relacionar preferencialmente com
quem tinha ancestralidade parecida.
Essas decisões afetaram como as doenças e características
genéticas se perpetuaram até hoje.
A equipe também estimou a história demográfica do Brasil
usando segmentos de DNA compartilhados por ancestralidade.
A partir disso, inferiram o tamanho efetivo das populações
ao longo do tempo (Ne), impactos de epidemias, fluxos migratórios, isolamento e
crescimento populacional por estado.
É genética contando história sem precisar de livros.
O DNA ainda mostra que o Brasil sofre de desigualdades
estruturais que afetam a saúde:
Grupos com mais ancestralidade africana/indígena têm mais
variantes associadas a doenças — não porque sejam “biologicamente inferiores”,
mas porque são mais pobres, vivem em piores condições, e foram excluídos dos
avanços médicos e genéticos.
E há um recado importante para a ciência do futuro:
Sem diversidade genética nos estudos, os tratamentos vão
continuar falhando.
A maioria dos bancos de dados genéticos globais ignora
populações como a brasileira.
Mas o DNABR muda isso: é soberania genética. É ciência feita
no Brasil, para o Brasil.
Toda essa pesquisa envolveu:
✅ Ferramentas como ADMIXTURE,
MALDER, TRACTS, CHROMOPAINTER
✅ Algoritmos de IA para detecção
de seleção natural
✅ Comparações com bancos globais
(HGDP, 1000 Genomes, gnomAD)
Um verdadeiro esforço de ponta da ciência brasileira e
internacional.
E o melhor: é aberto ao público.
O DNA do Brasil foi decifrado.
E ele diz o seguinte:
Somos um povo único no planeta.
Carregamos a história da humanidade no corpo.
Precisamos de ciência local, diversa e inclusiva.
E
só com isso vamos enfrentar nossas doenças, desigualdades e construir um futuro
de verdade.
Fontes: James Webb
& https://www.science.org/doi/10.1126/science.adl3564



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